terça-feira, 23 de março de 2010

Conto

Ventava muito naquela noite.
O vento gerava um apito agudo, além de seu tradicional uivar.
Havia faltado luz e ainda faltava mais de hora para amanhecer. Ainda assim, de alguma forma havia uma iluminação.
Uma estranha luz rosada me permitia enxergar o prédio da frente. Me permitia enxergar praticamente tudo.
Logo aquele apito virou uma espécie de música. Era harmônico e lembrava muito aquelas músicas de parques de diversões. Isto me fez estremecer.
Sons de madeiras se batendo. O vento as batia. O vento ficava cada vez mais forte.
De tempos em tempos, um raio. Um brilho de intervalo muito curto, e nada de trovões. Apenas o ouivo do vento sacudindo as árvores e aquele assovio. Aquele bizarro assovio, que agora parecia perder seu ritmo, dando sopros mais graves. Passava a impressão de que o causador daquele som estava ficando sem fôlego e entristecido. Como se uma alma se cansara de tanto vagar propagando seu lamento, seu lamúrio.
O céu estava iluminado de um roxo escuro.
Novamente, percebia que o assovio cansava e engrossava o tom pouco a pouco.

Durante todo este tempo estive na sacada da minha casa, acompanhando e descrevendo o lamúrio. Quando este parecia pronto para desistir levanto-me e viro para entrar em casa. No mesmo instante tudo volta como num desespero.
Ouço sons de madeira como que cavalgando. Portões se batendo.
Me sinto tentado a sair de casa para observar melhor. Para descobrir mais. Mas temo pela minha segurança.

Não tenho escolha: sou curioso demais e resolvo descer. Sair.
A luz que eu via quando estava no terceiro andar simplesmente não existe ao nível do solo. Tudo é escuro demais.
Embaixo não escuto apito. Somente árvores. Mas bastam alguns passos e volto a escutá-lo.
Tudo estava deserto. Não há uma luz ou sinal de vida na rua.
Espere... um cachorro... acho. Tento o iluminar, mas ele some.
Esta ficando difícil anotar no celular o que estou presenciando, pois sua luz fecha minha retina, dificultando enxergar na penumbra.
Penso em escalar a caixa d'água para ter uma vista melhor. Mas não sou tão louco assim.
Decido voltar.
Na volta amaldiçoo quem teve a idéia de pintar as árvores de branco. Seus troncos parecem almas aguardando minha passagem.
Conforme subo as escadas noto que os sons diminuem.
Quando finalmente chego em casa só há um leve uivar e raros assovios.
Parece que o vento desistiu de mim. Desistiu de falar comigo.
Quando termino de escrever já parece uma noite normal: Céu preto com nuvens, sem vento, sem uivos ou assovios. A luz ainda não voltou, mas agora ouço o barulho de chaves dos vizinhos que cedo saem para trabalhar, seus passos, suas conversas, o assovio do vigia...
5:35h.
Não havia se passado nem uma hora.
Pareceu uma eternidade.
Cansou feito uma eternidade.




Postado por Ricardo Ceratti.

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