segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Vida amorosa e imigrantes

A ideia de que o homem deve bancar os encontros. Que vigem no tempo!
Não é mais que um resquício duma sociedade de dominação machista do passado.
Veja, as mulheres não eram permitidas a trabalhar. Ou estudar. Ou viver suas próprias vidas - geralmente eram em fardo para as famílias que basicamente precisavam pagar a um homem para que casassem com elas e se tornar responsável (dum jeito "dono", por pior que soe) por aquela pessoa.
As mulheres eram subjugadas e, de certa forma, escravizadas. Neste cenário elas PRECISAVAM de um homem para meramente sobreviver - comer, ter um teto sob sua cabeça, ter roupas, e até mesmo ter o mínimo de respeito e aceitação social da sociedade.
Bárbaro, não?
Um homem presentearia sua esposa com jantares e presentes, e trazer comida para casa, não exatamente por razões altruístas, mas em boa parte para inflar sua auto-estima. "Eu sustento essa casa". "eu te levo para sair", "eu ponho comida na mesa", "eu te dou coisas bacanas". É basicamente dizer "olhe como eu sou incrível!" misturado com um argumento que não passa de uma grande chantagem emocional que basicamente diz "eu faço tudo por você, eu te mantenho vida, aquecida e alimentada, e olhe como você é ingrata!". Eu até extrapolaria as coisas um pouco e pergunto uma coisa: se você inserir uma barreira de comunicação instransponível, e se livrar do contexto sexual (e o que faz parte do seu pacote, como ciúme), esta relação não acaba lembrando um pouco a relação que temos com nossos cães de estimação?
Os tempos mudaram, felizmente, e com isso a dinâmica social muda. Em alguns países as mulheres gostam de estabelecer uma relação invertida, como em alguns países Escandinavos onde as mulheres sentem a necessidade de serem quem banca a coisa toda. Muitos outros países, especialmente os desenvolvidos, acreditam em igualdade, seja cada pessoa pagando o que consumiu, ou dividindo a conta, ou se intercalando para pagar a rodada de bebidas. Mas alguns países parecem se agarrar ao passado com as duas mãos, e tanto homens e mulheres ainda acreditam que o homem deve pagar por tudo. Isso me parece meio injusto...para ambos! Veja bem, ambos trabalham agora, tomam conta de suas próprias vidas, tomam suas próprias decisões, como deveriam, e apesar do grande debate sobre salários e direitos desiguais, ambos são trabalhadores, como o mesmo valor, e fazendo a mesma quantidade de dinheiro (ou deveriam). Por que um deve pagar para o outro (seja a mulher Dinamarquesa pagando para o homem, ou o homem Brasileiro pagando para a mulher)? Se você analisar longitudinalmente isso é um grande baque no orçamento, e seria até mesmo, em casos muito extremos (e estúpidos) ser razão para defender salários maiores para os homens (ou para aquelas Dinamarquesas que mencionei antes) - afinal de contas eles possuem essa despesa da qual não podem escapar. Não seria melhor pagarem igualmente (de alguma forma) e receberem salários equivalentes? Mas dinheiro não é o maior problema aqui, na minha humilde opinião, mas a sorrateira afirmação que isso faz para ambos. Pode não ser algo dito e nem sequer pensado conscientemente, mas está lá, acredite, está. De um lado é algo como "Eu, como pessoa, não sou merecedor da companhia desta pessoa se eu não tivesse que pagar? Se eu não precisasse por um extra, para equilibrar as coisas?", e a outra pessoa tem o sentimento invasivo de "Sou alguém que alguém pode pagar pela companhia? Há algum compromisso neste contrato não dito no qual as coisas me são pagas, se paga pela minha companhia, indiretamente na mesma maneira que se paga por uma prostituta?". É desrespeitoso e desvalorizador a ambos! Mas as coisas podem piorar. Como em qualquer situação desequilibrada, as coisas se tornam um pouco extremas quando vistas através das lentes de um imigrante. Não me refiro aos (raros, de certa forma) casos de expatriados com uma boa carreira cuja empresa resolve transferir seus funcionários para um outro país. Estou falando sobre o típico classe baixa ou média que se muda para outro país para tentar melhorar de vida, tendo que começar basicamente tudo do zero. Eu não estou dizendo que aquele que se muda pela empresa tenha uma vida fácil, mas as coisas são mais extremas para os do outro caso.
Então temos essa pessoa que se muda para outro país, geralmente um bocado longe de ser fluente na língua, geralmente sem poder usar seu nível educacional (ao menos inicialmente), incapaz de encontrar um emprego decente (ao menos inicialmente também), longe dos amigos e da família, provavelmente sem conhecer ninguém, sem saber como as coisas funcionam, quais documentos precisa obter, quais direitos possui, tendo que lidar com preconceito em todos sentidos (em conseguir emprego, fazer amizades, namorar, abrir conta bancária), não sendo incomum ter que pagar pelo visto ou algo que provê o visto, e não sendo exatamente raros os casos de enviar dinheiro para a família. Esta pessoa simplesmente se meteu num desafio e tanto. E em algumas sociedades as coisas crescem a dificuldades paradoxais.
Então você tem um emprego ruim, provavelmente sendo explorado e mal pago, provavelmente morando numa casa superlotada que é o que pode pagar, gastando muito tempo e dinheiro em idas e vindas para trabalhar, se sentindo carente pela falta de amigos, família, relacionamento. Você está batalhando com dificuldade, fazendo malabarismo com seu moral e finanças. E então você finalmente consegue um encontro (através de algum app, como aparentemente é o único jeito hoje em dia). Mas você simplesmente TEM que pagar pelos dois TODA VEZ que você vê essa pessoa. Um tremendo baque numa vida financeira já sufocante, e um imenso golpe no seu senso de valia já debilitado.
Você vai precisar escolher entre o ciclo de tornar sua situação financeira ainda pior, ou tornar sua carência ainda pior.
Então dê uma pensada sobre sua concepção pré-histórica sobre relacionamentos - ao menos quando se trata de sair com um imigrante que já tem uma vida sofrida.




Postado por Ricardo Ceratti.


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