quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Subjetividade e realidade

O mundo subjetivo é uma coisa muito complicada.
Começamos a pensa no que realmente é, e não no que nos parece ser, a questionar crenças e sentimentos, e rapidamente fica óbvio que não sabemos de absolutamente nada.
É uma coisa muito escorregadia. Como aquele arco-íris que você só enxerga se for pelo canto do olho, que desaparece quando você foca a visão.
Como saber quando gostamos de alguém? Parece uma pergunta idiota, mas será que é mesmo?
É fácil se convencer de gostar de alguém quando estamos no meio do nada, nos faltam opções, nos sentimos desvalorizados, quando estamos carentes, etc.
Primeiro é preciso descobrir quais as coisas que você valoriza. De certa forma o cérebro atribui peso para cada coisa, e com isso segue com a atividade para a qual foi criado: calcular.
Talvez isso não seja óbvio para todos, mas o cérebro é uma imensa calculadora cujos resultados nos são dados em sentimentos, ao invés de números, provavelmente para nos convencer de sua autenticidade. E nem sempre o cálculo é preciso. E está longe de ser incomum o quanto trapaceamos neste cálculo.
Uma situação temporária entra na equação tanto quanto algo mais permanente, e não precisa durar muito tempo, ser muito intensa, ou fazermos muita força para nos convencermos de sua perenidade. E aí nossos resultados começam a perder sua confiabilidade.
Digamos que você valorize beleza, e acabe indo para um local onde todas as pessoas são o que você considera feias. Mesmo que fique por pouco tempo, você rapidamente escolherá a opção menos pior, e sem grandes demoras acreditará que deve ficar com aquela pessoa. Mas como é esse "menos pior"? Você analiza o quão belas são as pessoas (pois neste exemplo beleza é o fator chave) dentre aquelas que você acredita ter uma chance (seja real ou imaginária, e isso vai depender tanto das crenças que possui baseadas em sua auto-estima, quanto da realidade, ou seja, quanto da possibilidade real, do ponto de vista da outra pessoa, de se interessar por você), e se o resultado ficar parelho entre algumas pessoas, você vai inserir no cálculo outros atributos que você dá um peso alto. Mas o que mais pesa é o que realmente acontece entre vocês. Se você nunca teve nada com ninguém, isto não entra na equação, mas se você tem saído com uma pessoa, tudo será amplificado. Os pontos positivos terão muito mais peso, o prazer que vem de estar com a outra pessoa entrará de forma bem relevante na equação (o que já estraga todo o cálculo pois você não tem como estimar o quão prazeroso será estar com pessoas com quem nunca esteve), mas os pontos negativos também passarão pelo mesmo efeito, e você acreditará que nada do que experiencia de negativo seria sentido com outras pessoas, com as quais você nunca teve nada.
Digamos que você tem muito mais momentos bons que ruins juntos e, apesar de racionalmente você não achar esta pessoa linda ou com tantas outras qualidades secundárias (para você), você acaba distorcendo sua visão e a achando melhor do que realmente a veria. E então vocês namoram.
Você acha que está muito feliz em sua relação, até que você se mudam para outra cidade na qual todo mundo é muito mais bonito (você pode trocar o exemplo do que valoriza mais pelo quiser: inteligência sobre o que você aprecia, senso de humor, ambição, etc) que seu par. Logo você começa a achar sua relação insuficiente (na medida que a aparência está acima das experiências positivas que vocês têm juntos). Não foram as coisas que pioraram, seu cálculo simplesmente mudou.
Você passa a se convencer do contrário, para pior. E termina a relação.
Por isso que muitas relações não se mantém. Digamos que você tem baixa auto estima e está encalhado há tempos. O que aparecer será bom o suficiente, pois seu nível de exigência estará baixo. Mas o ser humano sempre busca mais, e logo estará insatisfeito. É como estar morrendo de fome: conseguir algo para comer parece ser a melhor coisa do mundo, mas quando comida deixa de ser um problema você passa a sentir necessidade de algo mais, como segurança, por exemplo. E se tem comida e segurança, passará a achar ruim não ter aspectos culturais. Meramente a pirâmide de Maslow (pesquise, vale a pena!).
Mas não podemos nos esquecer do quanto nossos cérebros valorizam as vivências positivas com alguém. É um mecanismo que nos faz formar vínculos fortes e duradouros com quem nos dá prazer, ou com quem nos ajuda quando realmente precisamos. E isso perpetua relações infinitamente abaixo do ideal (como se uma situação ideal existisse...).
Não é somente com pessoas que isso acontece. O mesmo vale para lugares, empregos, hobbies, etc.
E então nos deparamos com um dilema. Sabemos que estamos enganando a nós mesmos, mas, por um lado, pensar somente no mundo das possibilidades (nunca reais, sempre acreditadas) nos impedirá de querer estar com alguém, pois sempre haverá alguém "melhor", e por outro lado acreditar somente nas ilusões que criamos para nós mesmos nos fará nos contentar com a insatisfação.
Gostamos de livros, novelas, filmes, seriados, etc. e sentimos emoções reais com tais fantasias porque nossos cérebros gostam de acreditar que as coisas são reais. Tudo não passa do conteúdo da cabeça de alguma outra pessoa, que escreveu aquela história. O mesmo vale para gostar de videogames: não passam de uma intrincada miríade de equações disfarçadas por imagens e sons. É nossa propensão ao auto-engano que nos permite acreditar na veracidade de tais produtos (a imersão). Se você parar para analisar verá que tudo não passa de palavras ou cálculos que alguém criou e, como um truque mágico perde a graça quando entendemos como funciona, estas mídias também perderão seu valor perante nosso olhar.
Meu pai debochadamente diz uma frase: "Me engana que eu gosto". E isso a bem da verdade nos define como humanos. Gostamos das ilusões, e elas dão sentido e graça às nossas vidas, mas a nossa outra opção, de enxergar tudo pelo que realmente é, é um mundo frio e desconectado.
Que destino ironicamente cruel esse!
Onde traçar a linha do quanto ser objetivo ou o quanto ser enganado (e se enganar)?




Postado por Ricardo Ceratti.

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