sábado, 28 de outubro de 2017

Enfrentando desafios

Eu me lembro dos primeiros meses (na real até mais de um ano) na Europa.
Era minha primeira vez morando no exterior e tudo era novo para mim.
Muito excitante mas também muito, muito assustador.
Eu lembro como foi difícil para onde ir quando eu estava numa situação bem ruim na Itália. Era o pior lugar e mesmo assim eu não conseguia me forçar a ir embora. Todos meus planos deram errado e eu fiquei com a única opção de fazer novos planos rapidamente, e sozinho. É engraçado como uma pessoa que se gabava tanto de ser bom no improviso poderia ficar tão assustado de fazê-lo. Eu passei mais de uma semana adiando tomar uma decisão, e tive sorte de ter forças externas que me empurraram para a frente (dum jeito muito ruim, mas que acabou sendo uma coisa muito boa).
Acho que de certa forma eu estava assustado de fazer as coisas sozinho. O que é um pouco absurdo já que eu tinha me mudado para um outro continente completamente sozinho, sem nenhuma garantia, sem saber se eu conseguiria reconhecer minha cidadania Italiana, encontrar um emprego, um lugar para morar, me virar com um Inglês bem capenga.
Então me mudei para Londres e conheci um Polonês fascinante. Ele pegava trabalhos aqui e ali, não se preocupava com nada. Tão confiante, tão por dentro de como as coisas funcionam. Ele travalhava menos do que podia pois sabia como contornar os impostos. Ele viajava para os confins do planeta com menos esforço que alguém precisaria fazer para ir tomar o café da manhã.
Um dia perguntei-lhe como fazia isso, como poderia estar tão calmo prestes a voar para outro continente, ficar no meio do nada, e voar pela região num balão de gás. A mera ideia da coisa toda parecia assustadora demais para mim. Muito mais "e se" que eu gostaria tinha me deixado ansioso mesmo não sendo eu quem faria tudo aquilo.
Nos primeiros meses eu recebi dois convites tentadores: fui convocado para assumir cargo público, como psicólogo, numa cidade (uma para cada convocação) que eu gostava e era bem perto dos meus amigos e minha família, para trabalhar apenas 20h por semana (me permitindo tempo para viver e tocar meus projetos paralelos), recebendo um salário bem interessante. Eu simplesmente não conseguia decidir. E isso acabou comigo. Minha vida estava em frangalhos: vivendo no pior hostel dali, passando fome diariamente (perdi 10kg), dividindo um quarto com outras 14 pessoas que me impediam de dormir muito, tendo basicamente só 4-5h por dia disponíveis para tentar dormir, trabalhando sete dias por semana, em até quatro empregos ao mesmo tempo, passando quase quatro horas por dia me deslocando, estando de coração partido, sem amigos, e num desespero por ter meu próprio espaço. E então essa oportunidade aparece. Poderia alugar minha própria casa, ter minhas plantas, ter meus animais de estimação, fazer meu experimentos e projetos no meu tempo livre, estando numa cidadezinha bonita onde é seguro e as pessoas parecem amigáveis... Certamente me desmanchou. Pouco antes de tomar a decisão eu chorei como um bebêzinho na primeira vez que sente fome ou sente saudade de sua mãe. Eu não pude segurar as lágimas e começei a ceninha na área comum do hostel. Saí apressado e um cara com que eu andava as vezes me seguiu para conversar, mas eu consegui despistá-lo. Sentado num canto escuro no cordão da calçada, fumando um cigarro, me permitindo chorar, eu finalmente cheguei a minha decisão: eu iria ficar.
Eu ainda bem que fiquei. Inúmeras vezes me questionei se tomei a decisão certa, mas imagino que eu me perguntaria isso qualquer que fosse a decisão.
As coisas melhoraram mas não o suficiente, e lenta e constantemente cobraram seu preço. Eu estava ficando deprimido com o estilo de vida bosta que estava levando, mas eu estava economizando dinheiro e não precisava me preocupar com o desconhecido, então eu seguia adiando mudar minha vida. De novo.
Assim como no passado, a vida se encarregou de decidir para mim, e eu simplesmente precisei ir embora. Então comprei passagem só de ida para Berlin. Decidido a comprar um carro e simplesmente viajar pela Europa. Acontece que não é tão simples, mas eu curti meu tempo lá.
Tentei ir embora uma vez, mas serviu só para me dar conta algumas horas depois que eu não estava suficientemente preparado. Meu plano era sair acampando por aí e eu sequer tinha como carregar meu celular. Como diabos eu esperava encontrar meu caminho para chegar nos lugares?
A segunda vez que eu saí eu estava apavorado. Eu ia dirigir pela Europa pela primeira vez, ir para uma outra cidade completamente desconhecida, e... e depois o que?
Mas eu fui, e deu tudo certo.
No dia que eu planejei ir embora eu estava me sentindo tão inseguro que decidi passar a noite naquela cidade novamente - no meu carro.
E então eu fui de lugar para lugar e lentamente o medo começou a sumir.
Eu morei na República Checa, eu morei na Itália novamente, eu morei na Irlanda, eu morei na Noruega, eu morei na Suiça, agora estou morando na Bulgária, e visitei um bocado de outros países.
As pessoas acham que sou corajoso. Vou ter que discordar.
Quando me candidato para um emprego numa cidade ou país diferente do que estou morando eu costumo ouvir (ou ler) que seria muito arriscado e preferem não me entrevistar. Me parece como dizer para uma criança que é boa corredora que não deveria tentar engatinhar - é muito perigoso!
Alguns amigos ficam ansiosos quando lhes conto detalhes da minha vida ou o que talvez eu faça a seguir.
Você se acostuma. Você ganha essa confiança esquisita de que mesmo quando tudo está desabando, ninguém respondendo seus e-mails, seu tempo se esgotando, você não tem ideia do que fazer ou para onde ir, você continua muito calmo - você sabe que vai dar um jeito e que as coisas se ajeitarão.
Você pode ficar acostumado DEMAIS com isso, e só agora me dei conta disso.
Ontem eu estava botando a conversa em dia com uma amiga com quem fazia tempo que eu não falava (o que acontece com a maior parte das pessoas - eu sou péssimo em manter o contato, mas eu nunca esqueço das pessoas de quem gosto... o tempo não passa para mim quando se trata dessas pessoas) e eu a contei sobre meus últimos seis meses. Foi bem movimentado, de certa forma (saí do país em que vivia, morei em outros dois, visitei outros três), e ela pareceu impressionada, falou que era legal. Mas não é isso que eu sinto.
Não sei quando ou onde, mas eu perdi isso. Eu vou aos lugares e não me incomodo de ver tudo - eu sei que sempre poderei voltar. Eu vou a novos países e não me preocupo de ver a capital ou as principais cidades. Um país é só um país. Em todo lugar é muito diferente, mas de certa forma também é tudo igual. Você vê o lado bom e ruim, e começa a se dar conta que este ou aquele país não é muito pior que os outros - você apenas não conhece os outros lugares suficientemente bem.
O que me faz concluir que todo lugar é incrível e uma bosta ao mesmo tempo. Você apenas precisa decidir os lados negativos com os quais está disposto a aguentar, e os lados positivos dos quais não está disposto a abrir mão, e tentar encontrar o que combina melhor com você. De certa forma o mesmo vale para os relacionamentos: não existe pessoa perfeita, apenas uma pessoa que você está disposto a tolerar os defeitos e não consegue imaginar a vida sem suas qualidades.
Eu acho que me tornei um cínico, como fui chamado mais de uma vez. Ou talvez eu me tornei como aquele Polonês.
Talvez esse o rumo natural das coisas quando você espia por trás das cortinas.
Você não exerga mais a peça de teatro, você apenas vê atores trabalhando, e a vida perde um pouco de sua mágica.
Mas eu não acho que isso seja uma coisa ruim, a bem da verdade. Apenas o libera de todas aquelas coisas e o permite enxergar um pouco mais além, a ver o que está atrás daquele morro. E, acredite, pode não ser tão fácil, mas você certamente conseguirá encontrar coisas que o fascinarão, e tentar entendê-las pode vir a ser ainda mais mágico do que quando você era criança e acreditava em Papai Noel.




Postado por Ricardo Ceratti.

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