terça-feira, 10 de maio de 2016

Para Registro

Estes dias recebi um e-mail avisando que a capacidade de armazenamento do meu onedrive iria ser reduzida drasticamente em alguns meses. Como sei que minha memória jamais daria conta de lembrar de fazer a limpa mais próximo da data, me coloquei a resolver o problema na semana seguinte (afinal não consigo realizar nada sem procrastinar um pouco antes).
Durante o processo eu acabei baixando vários arquivos e confesso que foi uma experiência bem legal. Como aquela limpa que fazemos na casa e achamos cartas, fotos, brinquedos, notas fiscais, etc antigos, que nos trazem à tona memórias há tanto esquecidas, esta limpa virtual também me colocou em contato direto com o Ricardo de dez anos atrás.
Foi uma experiência interessante. Ver como era aquele meu cabelo enorme, as carinhas que meus amigos tinham, lembrar de festas que fomos, que organizei, lembrar de pessoas com quem eu falava, lembrar como era a aparência há dez anos atrás de pretendentes que acabaram virando amigas (ou não), lembrar o que eu escrevia, ver os sonhos que eu tinha, tanto acordado quanto dormindo...
Uma das coisas que encontrei foi uma nota minha expressão minha claustrofobia de viver na minha cidade, e meu desejo de sair a explorar o mundo. Engraçado, eu não lembrava que este desejo era tão antigo, apesar de minha mãe sempre me provar o contrário.
E foi graças a esta experiência que decidi que mesmo que o motivo real deste texto seja irrelevante, vou publicá-lo, pois tenho certeza que esquecerei de mais ou menos quando percebi o que percebo agora.
A questão é que nos últimos dois anos eu saí do meu país, morei um ano em Londres, uns meses na Itália, uns meses em Berlin, e visitei outros doze países. Isso pode não ser nada para os padrões Europeus. Não sei bem ainda. Mas para quem viveu 29 anos na mesma cidade, passar quase instantaneamente a trocar de lugar com tanta frequência, foi realmente uma mudança drástica. E uma mudança que noto que meu cérebro ainda não conseguiu se adaptar completamente.
Acredito que eu lembre da maioria das minhas experiências. Quer dizer, espero que eu lembre. Memória, nesse caso, é uma situação meio paradoxal. Como posso ter certeza se lembro de tudo quando o que eu esqueci simplesmente cai no ponto cego da minha contabilidade das experiências? É como na escola quando o professor pergunta "alguém tem alguma dúvida?" e ninguém ergue o braço, não por ter entendido tudo, mas logo pelo contrário, não saber nem o que deveria ter entendido para saber se entendeu ou não.
Continuando, tenho várias memórias das minhas experiências destes últimos dois anos, e tenho me dado conta de que algumas delas eu simplesmente não consigo posicionar no espaço e tempo. Problemas com localizar as memórias no tempo sempre tive. Demarcar certos eventos como "antes/depois de..." me ajudava a ter alguma estimativa de quando algo aconteceu. Mas com tanta diversidade de rostos, culturas, nacionalidades, com tanta gente nova que acabei conhecendo, com tantos lugares onde fui, com tanta situação inusitada, acabo não lembrando onde algo aconteceu. E não é "onde" no sentido "no bairro tal", nem mesmo "na cidade tal", mas sim "no país tal".
Uma das confusões é engraçada, se nos desvencilharmos do lado quase trágico desta minha demência...
Lembro que um dia um atendente me perguntou "tu sei italiano?". Eu lembrava que não havia sido na Itália, mas por algum motivo bizarro eu estava convencido de que este evento foi numa pizzaria na praia de Quintão. Não preciso nem dizer que as chances de ter sido neste lugar são semi nulas, né? Me pus a pensar e lembrei que foi num daqueles comércios 24h de Londres, perto de onde eu morava, e que se sucedeu pelo atendente ter visto na minha "carteira" a presença da Carta de Identidade Italiana, enquanto eu tentava encontrar moedas suficientes para pagar a minha compra.
De Quintão a Londres existe uma diferença um tanto... abismal.
Gostaria muito de entender como diabos meu cérebro cataloga as coisas de forma a conseguir gerar uma confusão dessas!





Postado por Ricardo Ceratti.

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