quinta-feira, 12 de maio de 2016

O mal da comparação

Permita-me contar um pouco da minha história.
Não lembro exatamente quando comecei a me desiludir do meu país, mas é certo que não começou depois dos meus 20 anos de idade, pois encontrei registros indicando alta insatisfação há 10 anos atrás.
O fato é que há muito tempo me era desgostoso e angustiante viver num país tão violento, perigoso, corrupto, de má prestação de serviços, onde a "malandragem" impera, onde a justiça não é uma figura muito vista, uma terra que admite algumas coisas absurdas (exemplos certamente não faltam, mas citarei apenas dois que muito me marcaram, apenas para ilustrar: quando eu era pequeno vi uma reportagem de um policial jogando um ladrão de pão para trás da viatura e o executando com um tiro na cabeça; o outro exemplo foi esses tempos que um sujeito foi pego em flagrante estuprando uma moça e foi solto por ser réu primário), onde o cidadão se sente eternamente com medo e atrás das grades, enquanto criminosos vivem na impunidade.
Se minha impressão do meu país está certa ou errada não convém discussão, pois é da minha experiência subjetiva que estou falando, e esta influencia a minha vida e decisões. Tendo isso em mente podemos continuar.
Acabei por virar expatriado, indo morar em Londres por pouco mais de um ano. Fiquei abismado com o quanto as coisas funcionam por lá, o quanto existe de respeito, retorno de impostos, segurança, possibilidade de gerar sustento suficiente com meu trabalho do mais baixo nível. Não me apaixonei por Londres como muitas pessoas que eu conheço clamam sentirem-se, mas foi o suficiente para eu não querer voltar à minha Patria Amada.
A oportunidade para tanto chegou logo: fui chamado para assumir um concurso que havia feito. Trabalharia na minha área, a menos de 1h da minha cidade (tempo que muita gente desperdiça para ir de sua moradia ao seu emprego tendo ambos na minha cidade, diga-se de passagem), ganhando suficientemente bem para meu estilo de vida, trabalhando míseras 20h semanais, numa cidade que eu achei muito carismática.
Decidi que não valia a pena, apesar das dificuldades (que não foram poucas!) que eu estava enfrentando na Inglaterra.
Não foi uma escolha fácil e por muito tempo me questionei se tomei a decisão certa. Ainda mais quando fui convocado para assumir outro concurso, quase tão bom quanto o primeiro.
O tempo passou e a situação que eu vivia piorou drasticamente, fazendo com que não fosse tão melhor negócio que meu país. Mas eu havia economizado algum dinheiro e achei que estava mais que na hora de ir atrás do meu ideal de conhecer outros países, culturas e situações, afim de tentar identificar um lugar que seria mais interessante para mim.
Morei por algum tempo em Praga, e confesso que não tentei o suficiente, mas vi a ida para a Itália como uma solução mais viável.
Agora estando na Itália vejo o quanto existem coisas neste país que me desagradam, com o agravante de não conseguir emprego de jeito nenhum (consegui algo que paga minimamente mais que o que gasto para dividir um quarto numa casa de seis pessoas).
Considerando meu desagrado com este país em que vivo, começo a achar que estar no Brasil, que atualmente, até onde fiquei sabendo, possui ainda mais problemas que à época em que o deixei, seria uma opção melhor que permanecer na situação em que me encontro.
Mas acabo pensando no quanto foi bom viver sem medo, no quanto a prestação de serviços é boa na Inglaterra, no quanto as coisas na Alemanha são eficientes, no quão barata é a vida na República Checa, Hungria e Sérvia, no quanto a Holanda, a Bélgica e a Hungria são países lindos, no quanto me senti acolhido na Romênia...
A comparação se faz presente novamente e o ciclo, que parecia haver se completado, acaba tornando inviável a ideia de retornar às minhas origens.
O mesmo mecanismo que me fez cogitar a volta, me faz decidir que é hora de seguir para uma nova "terra incognita".





Postado por Ricardo Ceratti.

2 comentários:

Anônimo disse...

Esses dias, fui postar em outro blog e "redescobri meu blog", de muitos anos atrás. Lá, havia um único blog que eu seguia e cliquei para ver quem era. Era o teu. Resolvi ler, tanto o teu, quanto o meu. Que bom que as pessoas ainda são capazes de mudar! Entendo perfeitamente o dilema que estás vivendo e estou agora me decidindo se parto de nosso país e espero ser chamada em algum "concursinho" em nossa área, ou se arrisco tudo, o {pouco} que consegui em 3 anos de graduada e deixo essas conquistas - que ainda podem evoluir, mas com a perspectiva atual de crise, é difícil - para trás e sigo um caminho que, pelo que tenho visto, pode ser bem difícil também. Afinal, ser imigrante também tem suas agruras: ser aquele "estranho", tirando "vagas de cidadãos", as barreiras da língua...As qualificações - afinal ser psicólogo no exterior exige muitos atestados, vínculos de mestrado/doutorado, aprovações de governo, etc... Um abraço para ti, Ricardo e boa sorte!Natália PS: não consegui logar agora, por isso, tá no anônimo.Outra hora, te mando outro recado, daí com meu blog.

The Drunken Scientist disse...

Oi Natália. Muito obrigado pelo comentário. Bem pertinente, pois, sim, há muitas dificuldades em ser um expatriado, e mais ainda em tentar atuar como psicólogo num outro país.
É uma escolha bem difícil: de um lado é possível ter um emprego na área, pagando bem, com seguranca, estando perto da família e dos amigos, entendendo todas sutilezas da linguagem, sabendo como tudo funciona, etc. De outro lado existe seguranca, qualidade de vida, bem menos poluicão, um real poder de compra, um nível muito maior de respeito, uma sociedade em que as pessoas não estão tão preocupadas em vigiar e criticar a vida alheia, etc.
Aguardo ansioso pelo teu comentário não anonimo para que eu possa ler (ou reler) teu blog!