sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O preço de uma consulta.

Chegando a hora da formatura, terminando os últimos compromissos relacionados com a faculdade.
Eis que começo a refletir sobre o percurso.
Além do preço a ser pago mensalmente, além do transporte, além de precisar pagar caro para comer mal, existiram outros tantos fatores a serem levados em conta.
Tudo começa com uma aparência de que vai ser muito diferente do coleginho. Tolice.
Logo no início nos deparamos com nossa insignificância em relação à instituição. Experimente estar certo e verá o imenso custo de provar e modificar o que está errado.
Muito se tenta, muito se desgasta, pouco se conquista.
Na sala de aula existem muitas disciplinas a serem vencidas ao longo dos semestres. Cada professor com a fé de que nossas vidas se resume a ir na faculdade e ler os textos que nos pedem para ler. Afinal de contas, que mais um estudante poderia ter para fazer? Dinheiro cai do céu, só se faz umas duas ou três cadeiras, teletransporte está sempre disponível, vida social é um mito e o dia tem 37 horas e meia. Fácil, bem fácil...
Mas isso não basta! Ainda durante as aulas é preciso agüentar a matação, trabalhinhos cada vez mais infantiis, colegas que não são capazes de somar 1+1, pessoas inconvenientes, etc.
Tudo passa.
Então, os estágios!
"Tem vaga para todo mundo".
Naquelas.
Muita briga para conseguir trabalhar sem receber, muitas vezes mal apredendo (ou aprendendo mal?), acatar regras sem cabimento, e o bônus de ter a chance de ser tratado feito lixo.
Logicamente não é generalizado. Só quase.
O tempo passa, e quanta abobrinha precisamos ouvir.
1, 2, 3... o 10 parece tão distante...
E mais aulas. Vai começando a ficar comum perder-se tempo nas mesmas. Em algumas o objetivo maior é lanchar.
Mais estágio.
Ok, muito se aprende. Por bem ou por mal.
Eis que temos que colocar o que aprendemos em prática.
Certamente que não cobraremos. Afinal, quem aprende tem uma conta infinita de dinheiro... de banco-imobiliário.
Mas, obviamente, a mentalidade reduzida das pessoas não permite que tal etapa passe sem tropeços.
Se é de graça, não vale nada.
Eis que nosso tempo mais uma vez vira... Sabe aquela música da Rita Lee? "Tudo vira ..."? Pois é.
Marca, espera, "toma cachorro", marca, espera, se desaponta, marca, consegue.
Fazer favor hoje em dia é subestimado.
Quando tudo termina, aqueles que te sorriam prestativos passam a te fazer cara de... e tratar de má vontade. Claro, acabou o que era de graça, por que motivo no universo a colaboração continuaria?
Nem por questão de solidariedade, bom senso, respeito. Poderia seguir com a colaboração em proveito próprio. Firmar uma parceria.
Não, mentes miudas sequer são capazes de pensar no dia de amanhã.
Depois as pessoas se queixam de seus salários, mas não fazem por merecer um salário maior.
Reclamam da falta de respeito, mas elas mesmas a propagaram.
Acham o fim do mundo o quanto pagam por um profissional da saúde, que muitas vezes nem os trata decentemente. Bem, complicado reclamar do monstro que nós mesmos ajudamos a criar.
Longe de mim concordar ou justificar o péssimo atendimento que anda se propagando, mas...
Então, já pagou bastante pela faculdade? Já trabalhou de graça o suficiente? Já se sujeitou e humilhou o suficiente?
Ainda falta depender de mais umas quantas boas-vontades. De regras que não parecem abrangir a todos, de depender de uma péssima comunicação interna dentro da faculdade.
Ok, agora pague mais um monte para se formar e depois corre atrás de emprego, se sujeitando a péssimas condições até que tenha experiência (leia "QI" na maioria dos casos) suficiente para estar trabalhando em algo decente.
Cansativo?
Agora vamos pensar.
Paga-se o tempo perdido, seja aprendendo, sendo enrolado, ouvindo abobrinha, tendo que esperar a boa vontade; o dinheiro gasto, seja pagando o curso, os transportes, a necessidade de sobreviver; a dignidade; e o mais insubstituível de todos: a paciência.
Guarde esse número com carinho.
Agora vamos abrir um consultório?
Vamos pensar em quantos atendimentos teremos pela frente, contando maré alta ou baixa, transtornos, doenças, aposentadoria, dividiremos pelo númerozinho dali de cima, somamos com os gastos (aluguel, transporte, etc) e aí está!
Encontramos finalmente o preço da "hora" de cinquenta minutos!
É caro?
Caro é relativo. Como demonstrei, que seja bem pago!




Postado por Ricardo Ceratti.

Um comentário:

Zaica disse...

Olá Ricardo, adorei o post, você conseguiu expressar muito bem o que a gente passa para se tornar médico. É muito triste vermos uma profissão tão nobre ser tão desprestigiada como vem acontecendo. Gostaria de me tornar seguidora do seu blog, mas para isto vc precisa criar um link.
Um grande abraço, Débora.