sábado, 15 de setembro de 2012

A mais eficaz das cadeias

Engraçado.
Na idade antiga as cidades se protegiam com muralhas.
Na idade média, com castelos.
Esta tradição de se cercar foi perdida no âmbito da cidade em si, mas passou a ganhar cada vez mais força privadamente.
Por onde se passa, muros, grades, cercas.
Nas casas, nos comércios, nas repartições públicas...
Onde quer que finquemos o pé, não bastam paredes que só sabem o que é respirar pela rara permeação de janelas. É preciso se cercar mais. E mais.
Onde quer que seja, nos aprisionamos.
Tudo em nome da segurança.
Ou, ao menos, da ilusão de segurança.
O muro do condomínio, a cerca com o vizinho, a grade na porta e nas janelas.
Mesmo em casas, mesmo em terrenos maiores, mais afastados, em chácaras. Em toda a parte.
De acordo com nossa renda, objetivos, localização geográfica escolhida, apenas nos permitimos definir o tamanho de nossas prisões.
Não tomamos as ruas, não coexistimos com a natureza.
Pulamos dum cárcere para o outro: saímos de casa para ir para o trabalho, para a faculdade, para um restaurante, para um shopping, para um bar. Todos devidamente cercados.
Até mesmo a rua se mostra uma prisão, já que o único espaço livre não é nosso, e sim dos veículos: a rua. A rua tem um espacinho para fingirmos nosso, as calçadas, que rapidamente são delimitadas e fechadas por prédios - prédios cada vez maiores e mais sufocantes.
Temos a opção dos parques, das praças. É uma saída. Limitada. Muito limitada. Em seu âmago podem até ser santuários, mas de que é feito seus contornos? Ruas, e lembre-se que estas não são espaços nossos, e sim habitat natural dos veículos.
Veículos com seus barulhos, seus odores, deixando o ar pesado, passando velozmente nos forçando a atenção e obrigando o cuidado.
Tanto nos afastamos da natureza, da liberdade, da simplicidade, da sinceridade, que duvido que saberíamos voltar. Nem que seja até a metade do caminho. Sinceramente duvido que sequer consigamos enxergar onde estamos, onde estivemos, ou nos darmos conta do que abrimos mão, da importância que isso tem, do quanto nos privamos da escolha e nos convencemos (para não sofrer, creio) de que esta não escolha é por opção.
E tudo em nome do que? Em nome da proteção contra aquilo que nós mesmos, como sociedade, criamos? Em nome da manutenção de uma artificialidade que só existe para se auto-sustentar?
Vou viajar um pouco.
Se existisse respeito e não houvesse falta do que é básico, o que é meu e o que é seu, não poderia ser nosso?
E, se fosse nosso, não seria mais fácil existir respeito e eliminar esta falta?
Mas, havendo esta separação, e se instaurando a falta em algum nível, existirá a discórdia, a inveja, o ímpeto de buscar por conta própria o que se considera justo. Está criada a ameaça. Para se proteger da ameaça só acumulando o suficiente para se distanciar e proteger o suficiente dos "faltosos".
Num planeta rico desses, com toda a tecnologia que temos, existe mesmo essa necessidade da coexistência entre opostos tão... bem, opostos?
Precisamos mesmo nos apossar do supérfluo? Precisamos da propaganda para nos convencer do que necessitamos? Das longas campanhas em pról do que é fim em si próprio, sendo assim para sempre um meio objetivando propagar o que é vazio? Existe mesmo a necessidade dessa "hiperfagia" consumista (não me refiro aqui apenas a consumo material)?
Me parece que todos estamos perdendo o "jogo".
Perde o jogo quem dedica a vida a explorar outras pessoas, pois não poderá levar os espólios para o além-túmulo, deixando assim de aproveitar a vida. Aproveita todas coisas boas que a riqueza material traz, e todas as futilidades com as quais a riqueza material se insinua, mas deixa de aproveitar a tranqüilidade, a paz de espírito, a ausência de estresse (ou sua carga reduzida e intercalada).
Perde o jogo quem se mata trabalhando para conseguir seu tão sonhado conforto, assim como sua imaginada segurança.
Perde o jogo quem precisa deixar de sonhar para conseguir o que é básico.
Perde o jogo quem apenas pode sonhar com o que é básico.
Perde o jogo aquelas pessoas cuja mente não aceita tamanhos absurdos, jogando para o alto o que tanto amamos chamar de "sanidade".
E todos deixam de aproveitar seu tempo, que é curto, não tem como conseguir mais e que só acaba uma vez, não podendo ser recuperado.
Eu pergunto para todos estes, e para os que esqueci de mencionar: vale a pena? Assim, vale a pena MESMO?

Não acho que seja o caso...




Postado por Ricardo Ceratti.

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