quinta-feira, 26 de julho de 2012

A fuga de si

Estava assistindo a palestra de Rafael Zobaran, quando ele fala a seguinte frase sobre autoconhecimento:
Às vezes a pessoa vive uma vida inteira sem ser a si própria.
E isso me fez tomar jeito e escrever um texto que há dias estou mantendo em cativeiro em minha cabeça.

Quanto mais eu reflito sobre o desenvolvimento humano, como indivíduo e como sociedade, mais fico intrigado.
Estamos atualmente convivendo com uma gama enorme de doenças e aflições psicológicas que afetam basicamente todas as pessoas do mundo.
Seja uma esquizofrenia, bipolaridade, borderline, seja ansiedade, insegurança, autocrítica paralizante.
Seja em maior ou menor grau.
Seja como for, todos temos algo dentro de nós que de tempos em tempos decide nos aplicar uma rasteira.
Tudo isto encontra um ponto em comum, ao meu ver: Incongruência.
O distanciamento de si mesmo. A incompatibilidade com o que sente e o que expressa. Ou pior: A incompatibilidade com o que sente e o que se permite sentir.
Aquela crítica vigorosa e incansável, aquele "homem não chora", aquele "eu não deveria ser assim", aquele não poder ser espontâneo, aquela falta de sinceridade socialmente esperada que se dá e se recebe, aquele "não posso ficar triste, não tenho motivo para estar triste".
Toda aquela negação aos seus próprios sentimentos. Negando a si.
Negação que muitas vezes culmina com o uso de todo tipo de drogas. Uso de entorpecentes, uso de medicamentos. Tudo pela desesperada busca pelo embotamento afetivo.
Ou então encontra seu ápice no desencadeamento de algum transtorno psicológico.
Obviamente que não estou dizendo que a incongruência seja a causa solitária e por si só suficiente de todos estes males.
Mas estou dizendo SIM que é grande colaborador.
Mas, de onde ela surge?
Uma criança é a coisa mais autêntica que existe.
Mas uma criança é o que mais absorve comportamentos, regras e ideologias.
Com o passar do tempo este pequeno ser vai convivendo com seus pais, com outros membros da família, com outras crianças, com professores, etc.
Em cada uma dessas interações vai aprendendo, de maneira suave e sem solavancos, ou através de aberta agressividade e humilhação, que ela simplesmente não pode ser ela mesma.
Vai internalizando como deve se portar no mundo. O que deve gostar, o que deve almejar, com quem deve se relacionar, como deve se vestir, quem amar e quem odiar, o que pode sentir, o que pode demonstrar que sente, o quanto precisa fingir que não sente, ou mimetizar aquilo que não sente.
Vai criando uma máscara indispensável para a sobrevivência no convívio com outros seres humanos.
E, com anos de prática, moldando esta máscara, se convencendo que é seu rosto, esta criança, adolescente, adulto, vai cada vez mais se distanciando de si.
Aprende-se a distanciar de si para sobreviver. Para manter relativamente a salvo sua existência no curto prazo.
Mas este distanciar é o que lhe corrói a alma, que lhe vai matando aos poucos, que vai pavimentando o caminho para a destruição no longo prazo.
E então, não somos mais pessoas. Somos máscaras governando cascas vazias de corpos.
Somos máquinas de propagar o que já existe, de se esvaziar em rotinas, de se estabelecer metas que nem são verdadeiramente suas, e sofrer por não alcançá-las, e se decepcionar por perceber que o vazio não se preenche quando finalmente as alcançamos.
Vamos nos adoecendo aos poucos, matando nossa criatividade, colocando grilhões em nossos cérebros, podando em cheio nosso gosto por viver.
Alguns seguem neste caminho sem sequer olhar para o lado, sem sequer titubear.
Outros decidem dar um basta, gastando muito dinheiro e tempo em caminhos que julgam melhor para se conhecerem, se resolverem.
Seja terapia, meditação, o prazer de algum hobbie, um esporte.
E aí que chega justamente no ponto que mais me incomoda, que me causa aquele leve riso irônico.
Se saímos da completa congruência, para abrirmos mão completamente de nós mesmos, só para depois passar o resto de nossas vidas tentando encontrar nosso Eu; sou forçado a perguntar qual o propósito disto.
Por que não encurtar este caminho?
Por que não nos deixarmos abalar tanto com a crítica, seja alheia ou nossa própria? Por que não deixar de nos preocupar tanto com o que os outros estão pensando a nosso respeito? Por que não nos preocupamos com valores, ao invés de aparências ( e me refiro tanto à aparência física quanto à aparência de personalidade)? Por que não ensinamos aos nossos filhos, aos seus professores, aos pais de seus coleguinhas, a serem mais genuínos?
Enfim, por que não acabar de uma vez por todas com toda essa babaquice social que só serve para perder nosso já curto tempo de existência, e torná-lo menos aproveitável e saboroso?
Eu acredito que se isto se tornasse realidade, certamente muita empresa iria falir, afinal não teríamos tanto a necessidade de buscar símbolos de status, de encontrar fugas de nós mesmos, de ter essa angústia por passar o tempo.
Sinceramente penso que seria um progresso, mesmo no sentido econômico.
Já pensou quanta coisa poderíamos fazer, alcançar, criar, quantos problemas poderíamos resolver, pessoas ajudar, se nunca tivéssemos deixado de ser um belo bocado bem resolvidos?




Postado por Ricardo Ceratti.

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