sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Um posicionamento se faz necessário

Tenho visto uma indignação geral com um certo caso de alguém que matou um cachorro.
Vejo as pessoas se exaltando, e clamando por punição máxima, como linchamento, olho por olho.
Acho estranho esta reação. Até engraçada, de certa forma.
Diariamente acontecem os mais variados tipos de barbáries e ninguém parece se importar.
Ninguém se presta a sequer passar os olhos por cima de outras notícias tão hediondas quanto, ou mais.
Estamos todos acostumados a deixar as desgraças naquela zona de música de elevador, que ouvimos mas não escutamos.
Fiz algumas tentativas amplamente frustradas de dialogar com as pessoas, tentar mostrar que linchar ou matar não é bem a solução, e que a solução está na via educacional.
Antes que eu seja novamente mal interpretado, por educação não quero dizer escolas, faculdades, cursinhos, pós, mestrados, doutorados.
Nada disso.
A educação a qual me refiro é, em essência, a mesma que nos impede de jogar lixo no chão, que fez o povo chinês parar de cuspir na rua, que nos compele a deixar pessoas de idade atravessarem a rua, etc.
Educação moral, educação de bom senso, educação de civilidade e humanidade.
Não quero dizer que esta pessoa deva ficar impune.
Não, que seja punida de acordo com a lei.
Mas quero que tal acontecimento sirva para incentivar políticas públicas de conscientização da população.
Que sirva pra nos abrir os olhos, para sairmos um pouco do nosso status de "eu cuido do meu e o resto é o resto", para nos conscientizar do que é certo, e de fazermos algo quando vemos o obviamente errado acontecendo.
Mas o que me desviei do que realmente me incomoda.
Diariamente acontecem assaltos, homicídios, sequestros, estupros, atos de crueldade, abusos físicos e psicológicos, violência no trânsito e em festas, crueldade e sadismos à flor da pele, desvios de dinheiro, pessoas morrendo na fila do SUS, mendigos sendo queimados, policiais abusando do poder, tráfico, guerras e guerras pelo tráfico, famílias desmanteladas, pessoas recorrendo ao crime para sobreviverem, pessoas recorrendo ao crime para levarem uma vida fácil, vidas destruídas pelo consumo de drogas, pessoas que tiram sua própria vida por não encontrarem alguém que as ajude ou ouça, etc.
Tanta coisa.
TANTA COISA.
E eu só vejo mobilização que não seja de uma meia dúzia em dois casos:
Maus-tratos a animais;
E aquilo que vira moda pela mídia.
"Ah, mas o que podemos fazer nesses casos?"
Muita coisa, minha gente. MUITA coisa!
Vou dar um exemplo simples que de simples não tem nada.
Nossa situação como brasileiros nos acomodou a assistir desvios de dinheiro.
Coisa cotidiana.
Nem pensamos a respeito. Nem achamos que faça mal para alguém.
Vamos por parte.
De quem sai este dinheiro?
Vem do nosso bolso! Sai do nosso salário!
Todos nós, ricos ou pobres (afinal, pagamos imposto até num chiclete que compramos no mercado) pagamos impostos.
E, cá entre nós, a maioria não tem lá dinheiro sobrando, né?
Muitos precisam fazer verdadeiros malabarismos para pagarem as contas e conseguirem se alimentar.
Ok, pagamos impostos abusivos e isso torna impraticável a vida de muitos, muito ruim a vida de outros muitos, e não faz diferença na vida de poucos. Que tanto mal há nisso?
Agora vamos dar uma espiada no outro lado.
Quanto de dinheiro é desviado todo ano?
E o que poderia ser feito com este dinheiro?
Ora, fizemos um contrato com o estado.
Pagamos impostos abusivos e elegeremos pessoas que serão pagas muito além da realidade aceita na maioria dos países que adotam a mesma forma de governo que nós, e em troca estas pessoas formarão o estado e cuidarão de nos prover nossas necessidade básicas.
Saúde, educação, segurança.
Só que nossa saúde é sucateada.
Temos profissionais trabalhando muito além do que um profissional de saúde deveria.
E isso para economizar dinheiro de efetivar outros servidores para dar conta daquela demanda.
Temos salários na saúde que, exceto médicos na maioria dos casos, são desanimadores, especialmente se for pesado com o quanto lhes é exigido.
Temos hospitais e postos caindo aos pedaços.
Temos a falta de equipamentos (eu mesmo já fui atendido por uma ambulância que a paramédica teve que me imobilizar com um papelão que achou na rua, pela simples falta de equipamento no veículo).
Temos a falta de uma melhor qualificação profissional e humana (acha que lidar com gente, ou pior, com gente doente, é fácil? Ambos lados saem perdendo nessa história).
Temos uma fila de espera que muito tarda no tratamento, agravando a situação ou até matando o usuário da nossa saúde.
Temos uma falta de campanhas, de vacinas, de cobertura.
Tudo isso, minha gente, causa morte.
Uma morte, ao meu ver, mais horrível e dolorosa (não só para quem morre, mas para a família e quem vê isso acontecendo e tem um mínimo de empatia) do que ser espancado até a morte.
Temos uma força policial extremamente mal paga e mal preparada.
Sinto informar que uma parcela significativa de nossa polícia é constituída de sujeitos que sem a farda não exitaríamos em chamar de bandidos ou marginais.
E alguém pode culpá-los?
Quem em sã consciência (exceto idealistas, ao meu ver) aceitaria correr o risco de tomar um tiro num país tão corrupto por um salário tão ridículo?
Eu certamente não toparia.
Precisamos também capacitar estas pessoas. Mostrá-las uma outra forma de ver o mundo, uma outra forma de lidar com as situações, outra forma de executar a lei e de tratar o cidadão.
Sem destinarmos verba para uma elevação do padrão de vida para toda a classe policial e numa educação de qualidade para os mesmos, seguiremos vendo policiais matando pessoas algemadas atrás da viatura, espancando pessoas inocentes, estuprando moças, fazendo valer a sua vontade, como se ele fosse a lei, e não alguém que serve para certificar que a lei seja cumprida.
E a educação?
Evasão escolar. Por parte de professores inclusive.
Professores que são terrivelmente mal pagos e, assim como nossos policiais, também são mal preparados.
Não sabem lidar com os alunos, não sabem lidar com as características de cada um, com o modo que cada um aprende, com as diferenças, com as dificuldades.
Muitos professores pegar raiva de alunos, tornam sua vida um inferno, fazem fofoca, debocham dos pais e dos alunos, etc (já trabalhei em escola, ok?).
É culpa dos professores? São pessoas más?
Não!
É só falta de uma capacitação, de uma qualidade de vida, de emprego.
É só falta de material, de apagador, de projetor, falta de uma sala sem goteira, de uma rua decente para chegar no colégio, de cadeiras suficientes na sala dos professores (ou dos alunos), etc.
É falta de coisas que, sinceramente, o dinheiro COMPRA.
Então temos um péssimo ensino que não capacita as pessoas.
Temos um mercado de trabalho com poucas vagas, altamente competitivo.
Quais as chances desses alunos no mercado de trabalho?
Ah, pois é.
Mas é preciso sobreviver, não?
Alguns decidem que roubar é uma maneira perfeitamente viável de garantir sua sobrevivência.
Sua ou de sua família inteira.
Alguns acabam crescendo e se tornando adultos sem nunca sequer terem contato com o termo "moral", passando batido pelo que é certo ou errado.
Pessoas que crescem e fazem o que bem entendem, pois sua família nunca teve condições de aprender costumes minimamente civilizados, e a escola não teve a menor condições ou interesse de ensiná-los isso.
Estas pessoas podem vir a matar alguém por esporte, causando uma tremenda e irreparável dor a uma família inteira.
Ou pode vir a estuprar alguém, causando uma dor psicológica que pode se estender para toda a vida, ou até mesmo gerar um "filho de ódio".
Pode sequestrar uma pessoa que depois desenvolverá transtornos psicológicos severos, a aleijando por toda a vida.
Tudo isso me parece muito pior que um caso ou dois de pessoa espancando um cachorro.
Tudo isso o dinheiro PODERIA, se não resolver, aliviar (se usado corretamente, obvio).
Mas não há dinheiro. Ele foi desviado pois aquela pessoa que elegemos roubou ano passado para comprar uma lancha nova, e roubou este ano para comprar um prédio no centro de uma grande metrópole.
E o que fazemos a respeito?
Absolutamente nada.
Não é problema meu. Não tem o que eu possa fazer.
Mentiras!
Até quando vamos nos esconder atrás destas mentiras?
Até quando vamos nos revoltar só por coisas "fim"? Só por coisas que chocam ou que nos dizem que chocam?
Até quando vamos deixar a mídia nos dizer no que devemos pensar? Pelo que devemos nos rebelar?
Até quando vamos deixar o NOSSO dinheiro escoando pelo ralo enquanto todos NÓS pagamos CARO por isto?
Não, estas coisas as pessoas não se envolvem.
Aposto que quase ninguém vai se prestar a ler isto aqui.
Isto ou qualquer outro texto que tente mostrar que a coisa toda está errada.
Ler ou ver algum vídeo, já que sei que a preguiça impera.
Se conscientizar, pensar por si próprio, questionar, ir além do que simplesmente está nos sendo mostrado, além do que nos enfiam nos olhos.
Aí as pessoas me dizem que a humanidade as enoja.
A mim também.
Dizem que preferem os animais que os humanos. Que os humanos são podres.
São podres por culpa justamente da SUA inércia!
São podres simplesmente porque VOCÊ não luta pelo que é certo para os humanos.
Não luta pela conscientização, pela educação, pela honestidade, pela finalidade correta de dinheiro público, pela manipulação saudável (e não visando lucro em cima de lucro em cima de lucro...) da mídia (que poderia muito bem, se fosse de interesse, ser utilizada para conscientizar e dar bons valores para toda a população).
Estas mesmas pessoas que resolvem descartar a humanidade, jogá-la por inteiro no lixo, "não quero mais brincar", que acham que vale mais a pena viver com um animal ou se preocupar com ele do que com um irmão humano, são as pessoas que condenam, pouco a pouco, a humanidade para justamente o papel que elas usam como desculpa para desprezarem e virarem o rosto para a humanidade.
É UM CICLO VICIOSO!
Tudo nessa vida é um ciclo vicioso!
Mas nada temam! Tudo tem conserto!
Afinal, todo ciclo vicioso ruim pode ser substituído por um ciclo vicioso bom.
Basta querermos. Mas quereremos de verdade. E lutarmos por isso!
A chave para sairmos deste PÉSSIMO ciclo vicioso, para irmos para um que seja bom, que nos traga uma vida mais saudável, mais próxima dos nossos semelhantes, com mais dignidade e com muito menos absurdos e "notícias chocantes" está na educação, na conscientização.
E estas precisam de algo grande para terem boa abrangência.
Quem é grande suficiente? Com dinheiro suficiente?
O governo!
Quem sabe não nos revoltamos para um governo que não seja corrupto, que invista na nossa qualidade de vida, e que invista na conscientização desse povo todo que vive sem ter o que comer mas tem televisão em casa?
A culpa é minha, a culpa é sua, a culpa é nossa!
Nós votamos, nós engolimos quietos, nós permitimos que a coisa continue como está.
Nós podemos mudar isso, seja com o voto, seja com abaixo-assinados, seja com passeatas, seja com impeachment.
Agora, se você prefere olhar pro lado e se preocupar unicamente com um cão que foi espancado (não que eu ache que não deva se preocupar e se revoltar com isso TAMBÉM), que pelo menos tenha consciência de que você é tão culpado quanto quem espanca animais ou faz horrores com pessoas.





Postado por Ricardo Ceratti.

2 comentários:

Unknown disse...

Ricardo, muito bom o seu posicionamento. Na verdade, eu não tinha entendido bem o seu ponto quando você postou isso no facebook, não que você não tenha deixado claro, mas o texto está bem mais completo sobre tudo o que você pensa.
Sim, alguém compartilhou o vídeo no facebook e eu cheguei a ver uma parte (não aguentei ver ele todo) e achei um absurdo. Isso é uma coisa. Eu concordo com o fato de que não devemos tratar especialmente melhor animais e esquecermos dos seres humanos. Eu também me sinto indignada por muitas coisas que os humanos fazem, e sabe o que eu fiz? Parei de olhar noticiario. Minha vida ficou mais feliz, sabe? Não, isso não é uma forma de fechar os olhos pra tudo, pois sei de tudo o que acontece de ruim, mas veja, aquele movimento do twitter que teve para que o salário dos deputados não aumentassem ~ainda mais~, tinha mais do que 10000 pessoas seguindo o twitter do cara e no fim foi no máximo uns 50 gatos pingados protestar, do que adianta dar um clique se ninguém saí por aí lutar pelo que acredita? Mas voltando ao que eu disse, eu me sinto mais feliz depois que eu tomei a decisão de nunca mais olhar noticiário, me tornei uma pessoa mais humanitária e paciente, porque não penso nos humanos como lixo, e prefiro fazer a minha parte na sociedade ~sendo feliz e tentando fazer com que os outros sejam~ do que me preocupar, por exemplo, com coisas que mesmo com muita força de vontade não mudarão, pois falta a decisão de alguém que vive a vida como uma ostra. Não quero passar os dias com enxaqueca pensando em como o mundo é injusto, como a saúde no Brasil está horrível, como trabalhamos que nem escravos para ganhar uma miséria, pois isso tudo causa muito rancor, e é aí que se vê maridos batendo em mulheres, mães e pais despejando ódio e stress nos filhos, professores que odeiam trabalhar não formando de nenhuma forma cidadãos. Quero fazer a paz no meu próprio mundo. E o meu ponto é: quer um mundo melhor? Então primeiro mude o SEU mundo para melhor e você estará fazendo a sua parte.

The Drunken Scientist disse...

Ariane, concordo com muita coisa que disseste.
Eu também não vejo mais noticiário. Aliás, nem tenho televisão em casa e só assisto um seriado que outro pra abstrair.
Temos que lembrar que tudo que vemos na televisão, de notícias ao chaves, sofreu a manipulação (intencional ou não, bem intencionada ou não) de alguém. Portanto nunca teremos, não por este meio, informação realmente digna de nossa preocupação.
Concordo contigo que devemos melhorar nosso mundo, estarmos em paz com nossa realidade, mas discordo que não podemos mudar as coisas ou que se deparar com o que há de podre nos faça rancorosos.
Concordo que faça isso com muitos, mas, como psicólogo acredito que este rancor seja só um disfarce para o desgosto pessoal, e não exatamente com a humanidade. Uma vez que se está bem resolvido, se possui inteligência, capacidade crítica, paciência (muito importante) e esclarecimento, podemos entrar em contato com a podridão sem nos criar esse ódio cego. Podemos entrar em contato com ela e vermos que isso deve mudar, que não precisa ser assim, podemos nos engajar na luta.
E a luta, pra mim, é muito mais simples do que ir até sei lá onde protestar contra o aumento dos salários. Quer dizer, muito mais simples fisicamente. Minha luta é para que as pessoas simplesmente reflitam, tenham pensamento crítico, analisem as coisas, parem para pensar antes de serem meros papagaios propagando o que a mídia ou algum amigo falou.
A coisa pode mudar (posso estar sendo sonhador aqui). Basta passarmos uma epidemia de pensamento próprio para as pessoas. Acredito no potencial de todos que atingirem esse tal de "pensamento próprio" para tomarem a decisão certa e, um dia, mudarem o mundo (não pra mim, não pra ti, não pros filhos ou netos que venhamos a ter, mas um dia...)