A ideia de
que o homem deve bancar os encontros. Que vigem no tempo!
Não é mais
que um resquício duma sociedade de dominação machista do passado.
Veja, as
mulheres não eram permitidas a trabalhar. Ou estudar. Ou viver suas próprias
vidas - geralmente eram em fardo para as famílias que basicamente precisavam
pagar a um homem para que casassem com elas e se tornar responsável (dum jeito
"dono", por pior que soe) por aquela pessoa.
As mulheres
eram subjugadas e, de certa forma, escravizadas. Neste cenário elas PRECISAVAM
de um homem para meramente sobreviver - comer, ter um teto sob sua cabeça, ter
roupas, e até mesmo ter o mínimo de respeito e aceitação social da sociedade.
Bárbaro,
não?
Um homem
presentearia sua esposa com jantares e presentes, e trazer comida para casa,
não exatamente por razões altruístas, mas em boa parte para inflar sua
auto-estima. "Eu sustento essa casa". "eu te levo para
sair", "eu ponho comida na mesa", "eu te dou coisas bacanas".
É basicamente dizer "olhe como eu sou incrível!" misturado com um
argumento que não passa de uma grande chantagem emocional que basicamente diz
"eu faço tudo por você, eu te mantenho vida, aquecida e alimentada, e olhe
como você é ingrata!". Eu até extrapolaria as coisas um pouco e pergunto
uma coisa: se você inserir uma barreira de comunicação instransponível, e se
livrar do contexto sexual (e o que faz parte do seu pacote, como ciúme), esta
relação não acaba lembrando um pouco a relação que temos com nossos cães de
estimação?
Os tempos
mudaram, felizmente, e com isso a dinâmica social muda. Em alguns países as
mulheres gostam de estabelecer uma relação invertida, como em alguns países
Escandinavos onde as mulheres sentem a necessidade de serem quem banca a coisa
toda. Muitos outros países, especialmente os desenvolvidos, acreditam em
igualdade, seja cada pessoa pagando o que consumiu, ou dividindo a conta, ou se
intercalando para pagar a rodada de bebidas. Mas alguns países parecem se
agarrar ao passado com as duas mãos, e tanto homens e mulheres ainda acreditam
que o homem deve pagar por tudo. Isso me parece meio injusto...para ambos! Veja
bem, ambos trabalham agora, tomam conta de suas próprias vidas, tomam suas
próprias decisões, como deveriam, e apesar do grande debate sobre salários e
direitos desiguais, ambos são trabalhadores, como o mesmo valor, e fazendo a
mesma quantidade de dinheiro (ou deveriam). Por que um deve pagar para o outro
(seja a mulher Dinamarquesa pagando para o homem, ou o homem Brasileiro pagando
para a mulher)? Se você analisar longitudinalmente isso é um grande baque no orçamento,
e seria até mesmo, em casos muito extremos (e estúpidos) ser razão para
defender salários maiores para os homens (ou para aquelas Dinamarquesas que
mencionei antes) - afinal de contas eles possuem essa despesa da qual não podem
escapar. Não seria melhor pagarem igualmente (de alguma forma) e receberem
salários equivalentes? Mas dinheiro não é o maior problema aqui, na minha
humilde opinião, mas a sorrateira afirmação que isso faz para ambos. Pode não
ser algo dito e nem sequer pensado conscientemente, mas está lá, acredite,
está. De um lado é algo como "Eu, como pessoa, não sou merecedor da
companhia desta pessoa se eu não tivesse que pagar? Se eu não precisasse por um
extra, para equilibrar as coisas?", e a outra pessoa tem o sentimento
invasivo de "Sou alguém que alguém pode pagar pela companhia? Há algum
compromisso neste contrato não dito no qual as coisas me são pagas, se paga
pela minha companhia, indiretamente na mesma maneira que se paga por uma prostituta?".
É desrespeitoso e desvalorizador a ambos! Mas as coisas podem piorar. Como em
qualquer situação desequilibrada, as coisas se tornam um pouco extremas quando
vistas através das lentes de um imigrante. Não me refiro aos (raros, de certa
forma) casos de expatriados com uma boa carreira cuja empresa resolve
transferir seus funcionários para um outro país. Estou falando sobre o típico
classe baixa ou média que se muda para outro país para tentar melhorar de vida,
tendo que começar basicamente tudo do zero. Eu não estou dizendo que aquele que
se muda pela empresa tenha uma vida fácil, mas as coisas são mais extremas para
os do outro caso.
Então temos
essa pessoa que se muda para outro país, geralmente um bocado longe de ser
fluente na língua, geralmente sem poder usar seu nível educacional (ao menos
inicialmente), incapaz de encontrar um emprego decente (ao menos inicialmente
também), longe dos amigos e da família, provavelmente sem conhecer ninguém, sem
saber como as coisas funcionam, quais documentos precisa obter, quais direitos
possui, tendo que lidar com preconceito em todos sentidos (em conseguir
emprego, fazer amizades, namorar, abrir conta bancária), não sendo incomum ter
que pagar pelo visto ou algo que provê o visto, e não sendo exatamente raros os
casos de enviar dinheiro para a família. Esta pessoa simplesmente se meteu num
desafio e tanto. E em algumas sociedades as coisas crescem a dificuldades
paradoxais.
Então você
tem um emprego ruim, provavelmente sendo explorado e mal pago, provavelmente
morando numa casa superlotada que é o que pode pagar, gastando muito tempo e
dinheiro em idas e vindas para trabalhar, se sentindo carente pela falta de
amigos, família, relacionamento. Você está batalhando com dificuldade, fazendo
malabarismo com seu moral e finanças. E então você finalmente consegue um
encontro (através de algum app, como aparentemente é o único jeito hoje em dia).
Mas você simplesmente TEM que pagar pelos dois TODA VEZ que você vê essa
pessoa. Um tremendo baque numa vida financeira já sufocante, e um imenso golpe no
seu senso de valia já debilitado.
Você vai
precisar escolher entre o ciclo de tornar sua situação financeira ainda pior, ou
tornar sua carência ainda pior.
Então dê
uma pensada sobre sua concepção pré-histórica sobre relacionamentos - ao menos
quando se trata de sair com um imigrante que já tem uma vida sofrida.
Postado por Ricardo Ceratti.
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